A defesa da transferência de recursos da União para estados e municípios aumentou na campanha presidencial. O coro foi animado pelos problemas na segurança pública e em outros serviços essenciais nesses entes. Políticos, economistas e cientistas políticos criticaram a centralização na União e um suposto poder discricionário no Orçamento.
Vi de perto igual campanha no ocaso do regime militar e na Constituinte. Era a hora, dizia-se, de acabar o “pires na mão” de governadores e prefeitos. Deu certo. As transferências para estados, municípios e fundos regionais saltaram de 20% do imposto de renda e 20% do IPI, em 1978, para 47% (imposto de renda) e 54% (IPI). Depois, para 49% e 59%. A União perdeu, em favor dos estados, os impostos sobre combustíveis, energia e transportes. A maior parte das transferências virou gastos de pessoal e previdenciários. Outra parte sumiu no ralo da ineficiência e da corrupção. A alforria não aconteceu. O “pires na mão” voltou. O país perdeu.
Segundo estimativas de Kleber Castro, em 2015 a participação da União nas receitas disponíveis era de 55,7%, inferior à de outras federações: Nova Zelândia (88,9%), Áustria (65,1%) e México (57,8%). Era superior à de Alemanha (38%), Suíça (34,3%) e Estados Unidos (52,9%). Nos municípios, alcança 19,8% (13,3% em países federalistas). Não há exagero.
O federalismo de 1988 deveria corresponder à transferência de responsabilidades da União, o que não ocorreu. Ao contrário, foram elevados os gastos federais obrigatórios. Para financiá-los, recorreu-se a contribuições não partilháveis, o que piorou a qualidade do sistema tributário. Se a escolha fosse pelo imposto de renda e pelo IPI, haveria que cobrar o dobro (a metade seria partilhada).
Em 2017, os gastos federais obrigatórios, incluídos os juros da dívida pública, equivaliam a mais de 100% da arrecadação. Já que não dá para transferir despesas de pessoal, Previdência, ensino universitário, SUS, juros e outros, novas transferências de recursos acarretariam o colapso fiscal da União.
Quanto à discricionariedade, imagina-se que ela ocorreria na liberação de emendas parlamentares. Acontece que o valor das emendas é fixado pela Constituição em 1,2% do Orçamento. Elas devem ser liberadas até o fim do exercício fiscal. A antecipação é usada em negociações com o Congresso. O gasto não aumenta.
Outros pensam que a discricionariedade estaria nas transferências não obrigatórias para governos subnacionais. Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado, em 2018 o Executivo terá ação sobre apenas 110 bilhões de reais, correspondentes a 6,3% das despesas, nelas incluídos os juros da dívida pública. As transferências para estados e municípios representam pouco mais de 1% do Orçamento. Como falar em excessiva discricionariedade?
A descentralização é desejável, mas poderia redundar em maiores gastos de pessoal e na insolvência da União. Recomenda-se aos defensores da ideia fazer contas.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605