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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

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Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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Ruim com ele, pior sem ele

Não faltam críticas ao Judiciário e expressões como “ditadura de toga” devem soar familiares mas hoje vou me contrapor ao tom geral de criticismo

Por Paulo Furquim de Azevedo
10 out 2024, 13h50

As redes sociais e as ruas do Brasil têm sido palco de slogans variados contra um alvo comum: o Judiciário. Expressões como “ditadura de toga” e “magistocracia” devem soar familiares aos leitores desta coluna. Um dos ministros do Supremo é o alvo principal dessas manifestações, mas a grita é generalizada, extensiva não apenas aos seus colegas de corte, mas também a todas as instâncias dos nossos tribunais estaduais e federais. 

Não faltam problemas no nosso Judiciário. Gigante, congestionado, incerto e praticamente imune à responsabilização externa, o Judiciário tem, direta ou indiretamente, efeitos generalizados sobre a nossa vida. A esfera econômica é particularmente afetada por essas características, como mostramos, em trabalho anterior, na luxuosa companhia de Marcos Lisboa e Luciana Yeung. Sobram exemplos também nas esferas da política, da saúde e do próprio Direito.  

Mas hoje vou me contrapor ao tom geral de criticismo. O problema é que, muitas vezes, as críticas vêm acompanhadas de “soluções”, algumas das quais tocam em virtudes – e não defeitos – do Judiciário. São propostas que resultam, mesmo que implicitamente, em limitações à independência dessa instituição. É jogar o bebê junto com a água. 

Há algum tempo sabemos da importância de um judiciário independente para a democracia e o desenvolvimento econômico. Essa foi a conclusão de um dos principais artigos de Douglass North e Barry Weingast, parte fundamental das contribuições que deram ao primeiro o Prêmio Nobel de Economia, em 1993. Os dois foram encontrar na história do Reino Unido as origens da grande divergência no desenvolvimento econômico das nações ocidentais que se seguiu a partir do final do século XVIII. Para ter uma ideia dessa divergência, vale dizer que a diferença entre a renda per capita dos países mais ricos e mais pobres era, naquela época, de cinco vezes, passando para 40 vezes no século XXI.

O motivo dessa inflexão de desenvolvimento, iniciada no Reino Unido, foi a capacidade de o Estado não apenas estabelecer um conjunto de direitos, mas também de se comprometer em honrá-los. Até então, quando o Rei precisava de recursos extras, para fazer frente a uma guerra ou coisa que o valha, recorria aos mais variados mecanismos para expropriar os ativos privados. Com seu poder absoluto, quem iria contestar? O resultado é que as pessoas, cientes de que poderiam ser expropriadas a qualquer tempo, não investiam e, assim, a economia andava de lado. Foi a criação de mecanismos de pesos e contrapesos (do inglês, checks and balances) que impôs limites ao poder absoluto do Rei, e, assim, assegurou que o esforço em investir em navios, em novas fábricas ou em uma nova tecnologia, seria salvaguardado pelo desenho institucional.

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A mudança identificada por North e Weingast não foi obra da clarividência dos reis ingleses. Não é fácil para aquele que tem poder dele abrir mão ao criar uma instituição que lhe impõe limites. O judiciário independente não surgiu por força e poder da magistocracia, mas como um freio à monarquia, que lhe foi imposto em um momento de fraqueza. Foi na Revolução Gloriosa, no Reino Unido, que o reinado debilitado aceitou uma solução de compromisso com seus opositores, e acatou a exigência de fortalecimento do parlamento e do judiciário, como instâncias de poder que limitavam o até então absoluto poder monárquico. Foi esse também o caso da Revolução Francesa que, de modo bem mais traumático, criou uma nova ordem inspirada nos ideais de repartição dos poderes. Esses dois modelos foram, então, disseminados pelo mundo, pela força da colonização, conquista ou emulação, sendo um dos principais elementos para explicar o desenvolvimento econômico nas democracias modernas. Algumas autocracias, como a China, também tiveram o seu sucesso recente, mas uma sociedade democrática, baseada na livre iniciativa, requer um judiciário independente. 

Vamos voltar às críticas ao judiciário. Parte delas é fruto do compreensível inconformismo com as decisões, amplificado pelo protagonismo que assumiu o Judiciário após a Constituição de 1988. Mas notem que a independência pressupõe que as decisões dos tribunais não sejam avaliadas pela percepção das partes. A elas é reservado o já consagrado jus esperniandi (ou, se preferirem, o direito de espernear), afinal é humano não se conformar com a decisão desfavorável. Mas não cabe à parte o poder de modificar a decisão que lhe foi desfavorável, nem tampouco pressionar o magistrado para decidir de um ou de outro modo. Por isso, são preocupantes as propostas, que ganham eco no Legislativo, de revisão de decisões judiciais e de impeachment de ministros do Supremo. Imaginem se uma coalizão dominante no Congresso estiver inconformada com uma decisão do STF que lhe seja desfavorável. Poderia essa coalizão abrir um processo para a remoção de ministros que decidiram de modo contrário aos seus interesses? Seria fragilizar a independência do Judiciário, algo precioso para a nossa democracia e o nosso desenvolvimento econômico. Ao contrário de tornar o Judiciário mais vulnerável às pressões externas dos “eleitos pelo povo”, as reformas deveriam fortalecê-lo, dando-lhe mais celeridade e eficiência. Muito bem-vindos seriam também o fortalecimento da colegialidade, que ajudaria a conter os abusos individuais, e um mandato longo, mas não eterno, para magistrados. São incontáveis as oportunidades de reforma e melhorias nesse caminho. Enquanto elas não vêm, devemos cuidar de proteger a independência do Judiciário, pois, como já sabemos, pode ser ruim com ele, mas certamente seria pior sem ele.

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