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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung

Bitcoin: muito além de um investimento

Ele já abalou conceitos tecnológicos e monetários. É fascinante acompanhar sua evolução, que ainda não sabemos aonde vai nos levar

Por Luciana Yeung
10 abr 2025, 10h41

Todo mundo já ouviu falar sobre o bitcoin. Mas, na maioria das vezes, o assunto aparece em manchetes e discussões sobre sua volatilidade, quedas bruscas, aumentos bruscos, “bolhas”, fortunas ou prejuízos. Em resumo: como ativo de investimento. A verdade é que a discussão sobre o bitcoin vai muito além disso.

Semanas atrás, participei de um colóquio do Liberty Fund dedicado a explorar o que o bitcoin realmente é. Dois dias inteiros, intensos, para entender essa criação que, para seus maiores entusiastas, tem como aspecto menos relevante justamente o seu uso como investimento financeiro. E não é (só) porque o preço oscila de forma impressionante — e muitas vezes insuportável para quem busca previsibilidade nos rendimentos. A razão principal é outra: o bitcoin não nasceu com essa finalidade.

Originalmente, o bitcoin foi pensado como uma moeda. No sentido clássico mesmo: com funções de meio de troca (M1), reserva de valor e unidade de conta (M2), e até funções mais amplas de liquidez e ativos financeiros (M3). Lembrei das minhas aulas de teoria monetária na graduação. Segundo seus defensores, ele tem, aos poucos, assumido essas funções com mais eficiência. Hoje, já é usado como meio de pagamento em várias partes do mundo, especialmente entre quem prioriza privacidade e autonomia. E, como reserva de valor, tem sido chamado por alguns de “ouro digital”.

Mas o aspecto mais fascinante do bitcoin — e talvez o principal motivo de paixão por parte dos seus detentores mais convictos — é simbólico: ele representa a possibilidade de uma economia realmente libertária, fora do alcance de qualquer governo, banco central ou autoridade reguladora.

Para quem acha que isso soa como incentivo ao crime, é importante esclarecer: menos de 1% das transações em bitcoin têm ligação com atividades ilegais, segundo os principais relatórios internacionais. O que realmente atrai tantos defensores é a autonomia. Trata-se de um sistema onde ninguém pode congelar, tributar, confiscar ou sequer rastrear o que você tem. Algo impossível com qualquer outro ativo (bens mobiliários ou imobiliários) ou moeda existente. Por isso, há quem diga que o bitcoin é a forma mais pura e absoluta de direito de propriedade já criada — protegida por código criptografado, não por contratos ou instituições, e sem gerar externalidades negativas, o que, segundo muitos economistas, é o grande argumento para limitar o direito de propriedade nos sistemas democráticos.

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Até sua origem guarda traços de um ideal libertário. O bitcoin surgiu em 2008/2009, pouco depois da crise financeira global, lançado por alguém (ou um grupo) sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto. Até hoje ninguém sabe exatamente quem ele é — e isso faz parte do mito. O primeiro bloco minerado trazia uma mensagem: uma manchete de jornal sobre o segundo resgate financeiro aos bancos no Reino Unido. Foi um recado claro de uma crítica direta ao sistema monetário tradicional.

Outro ponto que me chamou a atenção no evento foi a tecnologia. O bitcoin não se compara com o padrão-ouro, moedas fiduciárias ou stablecoins. É algo inteiramente novo. Sua oferta monetária é programada, transparente, e vai diminuindo ao longo do tempo, até atingir o limite final em 2140. Uma curva decrescente e previsível de emissão. É uma concepção radicalmente diferente de tudo o que conhecemos — e tão inovadora que talvez exija, em breve, toda uma nova teoria econômica para explicá-la. As ferramentas conceituais e teóricas que temos hoje mal arranham a superfície desse novo fenômeno.

Se seus entusiastas estão certos de que ele substituirá os regimes monetários atuais? Não sei. Mas não dá para negar que o bitcoin já começou a abalar muitos dos conceitos que antes pareciam sólidos. Principalmente no campo tecnológico. Mas também no das ideias — especialmente as que giram em torno da liberdade humana e dos limites do poder estatal.

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Se isso vai evoluir para uma revolução monetária global ou se será apenas um episódio marcante na história econômica, ninguém sabe. Mas que é fascinante acompanhar, isso é.

E eu, sinceramente, estou muito curiosa para ver o que vem pela frente.

PS: Existe uma grande diversidade de livros sobre o bitcoin e o fenômeno das criptomoedas de maneira geral. Para participar do colóquio, eu e os demais participantes tivemos que ler um livro do professor da Universidade George Mason, Lawrence White, Better Money – Gold, Fiat or Bitcoin?, que para mim foi extremamente didático. O capítulo 5 descreve detalhes sobre o bitcoin para dummies (como eu). Mas, como o título já deixa claro, o objetivo principal do autor ao escrever o livro é fazer uma comparação desses três instrumentos (ouro, moeda fiduciária e bitcoin) em sua capacidade de servirem como sistema monetário amplo em uma economia. 

Luciana Yeung é Professora Associada I e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de outras publicações, todos na área do Direito & Economia.

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