A estratégia esperta para aprovar o acordo UE-Mercosul
Ao enviar a parte comercial do pacto para ser ratificada primeiro, contornou-se o risco de demora da aprovação por cada país do bloco, diz Lucas Ferraz
No início do mês, no último dia 3 de setembro, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, apresentou formalmente a proposta do acordo entre União Europeia (UE) e Mercosul, que agora vai para uma delicado processo de ratificação, dividido em dois: um, mais rápido, que diz respeito à redução de tarifas de importação e que depende apenas da aprovação do Conselho Europeu e do Parlamento Europeu; e outro, mais demorado, que abrange o acordo como um todo.
Os analistas mais otimistas avaliam que a primeira fase de ratificação pode ser concluída já este ano, com o início da implementação das medidas tarifárias previsto para os próximos meses. Entre os que acreditam nessa perspectiva está Lucas Ferraz, economista da FGV-SP, que participou das negociações para o acordo com a UE na qualidade de secretário de Comércio Exterior do governo federal entre 2019 e 2022. “O acordo vai integrar a indústria brasileira às cadeias de valor regionais da União Europeia, trazendo ganhos de competitividade”, disse Ferraz na seguinte entrevista à coluna:
Como o senhor avalia o texto final com a proposta da Comissão Europeia para o acordo Mercosul-EU, que agora segue para ratificação, em especial no que refere aos adendos que foram feito para reduzir as resistências do setor agrícola francês?
Meu entendimento é que essas salvaguardas agrícolas já haviam sido negociadas. O que a Europa discute agora, internamente, é o mecanismo que utilizarão para fazer as investigações e acionar as salvaguardas.
São mecanismos internos, assim como o Mercosul terá os seus. Não se trata de renegociar nada. São questões internas para apaziguar as preocupações da França, Áustria, Polônia, Irlanda e Itália — países com setor agrícola vocal que, nessa altura, busca extrair algum benefício adicional da Comissão Europeia.
Trata-se mais de uma movimentação interna visando a algum tipo de pacote de subsídio adicional. Mas nada que ameace a aprovação do acordo até o final do ano.
A grande resistência francesa foi vencida. O presidente Emmanuel Macron busca uma saída honrosa para uma posição que defendeu desde o início, contrária ao acordo. Mas ele também enxerga que o mundo precisa diversificar parceiros comerciais e reduzir a dependência dos Estados Unidos.
Mesmo com as salvaguardas, o acordo é bom para o Brasil, especialmente para o agronegócio?
Sim, o agro brasileiro ganha. É importante colocar em perspectiva: as salvaguardas são bilaterais. O setor agrícola é nosso interesse ofensivo — onde temos vantagem comparativa. Nosso setor defensivo é o industrial, onde eles têm vantagem.
Negociamos uma salvaguarda no setor automotivo quando o acordo foi reaberto no governo Lula. Em 2019, quando concluímos o acordo pela primeira vez, não havia salvaguardas. Era um acordo mais liberal, digamos assim.
Por mais que exista o temor de que a União Europeia possa acionar salvaguardas contra exportações agrícolas brasileiras, fato é que os europeus também podem sofrer salvaguardas do lado industrial. Essas coisas se equilibram.
Da oferta agrícola para a União Europeia, 19% do que exportamos terá cota — carne bovina, frango, açúcar, etanol. Outros 77% são tarifas que serão desgravadas gradualmente em 10 anos, sem cota, até chegar a zero.
É claro que poderia ter sido melhor, mas quando você observa que a União Europeia é muito protecionista no setor agrícola, o que ela ofereceu ao Mercosul é mais do que geralmente oferece para outros países.
Quais são os principais benefícios do acordo?
Estamos falando de um mercado total de 22 trilhões de dólares e 718 milhões de habitantes — boa parte formado por consumidores de alto poder aquisitivo. Vai ser o maior acordo de livre comércio do mundo.
O acordo vai integrar a indústria brasileira às cadeias de valor regionais da União Europeia, trazendo ganhos de competitividade. Nosso café, por exemplo, que está sendo taxado em 50% para entrar nos Estados Unidos, vai se beneficiar com a abertura maior ao mercado da UE, que hoje já é nosso segundo maior destino.
Frutas do Vale do São Francisco poderão ser redirecionadas para esse grande mercado. O acordo praticamente dobra o acesso de exportações brasileiras com tarifas preferenciais — de 13% para cerca de 28% do total exportado.
Num momento em que o multilateralismo e o comércio baseado em regras estão sendo atacados pela principal economia mundial, este acordo envia um sinal de que o multilateralismo permanece vivo, ainda que num mundo mais fragmentado.
Como será a implementação?
O acordo foi concluído em dezembro de 2024. Fizeram a revisão legal dos textos e tradução para diferentes idiomas da União Europeia. Foi apresentado para um grupo de comissários, que já deram o “ok”.
Agora a Comissão Europeia está reunindo condições políticas para garantir aprovação no Conselho Europeu por maioria qualificada e no Parlamento Europeu por maioria simples.
Fizeram uma separação inteligente: só a parte comercial será votada primeiro, não a política. Isso evita que essa parte do acordo tenha que passar pelos parlamentos individuais de cada país da UE, o que levaria anos.
A redução de tarifas pode começar já no ano que vem?
Sim, é possível. Os produtos europeus têm cestas de desgravação de até 10 anos. Produtos com mais sensibilidade política são liberalizados em prazo mais longo.
O Brasil, como país em desenvolvimento, tem mais sensibilidades setoriais na indústria. Reduzimos tarifas em cestas de até 18 anos — é o caso dos carros elétricos. O Brasil libera 82% de suas linhas tarifárias em até 10 anos e 9% em até 18 anos.
Por exemplo, automóveis hoje têm tarifa de 35%. Essa tarifa será reduzida gradualmente até zero em 15 anos.
O acordo também afeta exportação de serviços?
Sim, mas nesse ponto poderia ter sido mais agressivo. Este é um acordo negociado há 25 anos, quando serviços não eram vistos como relevantes. Hoje é o comércio que mais cresce no mundo.
No Brasil, os serviços representam 70% da economia. De cada dólar que exportamos de produto industrial, 40 centavos correspondem ao pagamento de serviços.
Conseguimos avanços importantes: abertura da cabotagem do Mercosul para navios europeus, cláusula sobre comércio digital impedindo taxação de transmissões eletrônicas, e o “standstill” — congelamento da regulamentação atual, impedindo retrocessos protecionistas.
Mas de forma geral, poderia ter sido feito mais. É um acordo com cara tradicional do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, firmado em 1947, base para a formação da Organização Mundial do Comércio em 1995), focado em bens e tarifas. Na parte não tarifária, poderíamos ter sido mais agressivos.
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