Impasse com o Plano Safra mostra que é hora de criar um fundo garantidor de crédito e substituir esse financiamento pelo mercado de capitais
Por Gustavo Diniz Junqueira
21 fev 2025, 15h43 •
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante o lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025, na Praça dos Três Poderes, diante do Palácio do Planalto, em Brasília (Ricardo Stuckert/PR)
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O Plano Safra nasceu em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, como resposta a uma crise financeira que ameaçava o agronegócio, a espinha dorsal da economia do Brasil. O setor, sufocado por juros proibitivos e um sistema bancário avesso ao risco, precisava de um modelo que garantisse previsibilidade e acesso ao crédito. O programa foi um sucesso e consolidou o país como potência agrícola global. Hoje, o agronegócio responde por 25% do PIB e 48% das exportações. Mas nada é eterno. O mundo mudou, o setor amadureceu e a realidade fiscal impõe uma reformulação urgente.
A expressão “responsabilidade fiscal” ecoa por todos os lados, repetida à exaustão por políticos e economistas. No entanto, poucos parecem compreender seu significado. A prática revela uma classe dirigente que age sem planejamento e compromete o futuro do país. A recente suspensão do Plano Safra expôs essa realidade de forma contundente. O produtor médio, que havia negociado com seu gerente no banco e contava com o crédito para equilibrar as contas, de repente se vê sem saída. Ele já havia acertado a compra das sementes e o fornecedor, por sua vez, aguardava o pagamento para quitar suas próprias dívidas. A interrupção abrupta dos recursos gera um efeito dominó que atinge toda a cadeia produtiva, do pequeno produtor à grande indústria.
Manter esse modelo tornou-se uma âncora para as contas públicas. No ciclo 2023-2024, o Tesouro Nacional destinou R$ 364 bilhões ao financiamento agropecuário, dos quais R$ 100 bilhões foram subsidiados. Com um déficit projetado de R$ 177,4 bilhões para 2024 e uma Selic que saltou de 10,50% para 13,25%, os custos da equalização de juros dispararam. O sistema tornou-se insustentável. Enquanto isso, Executivo e Congresso travam embates sobre responsabilidade fiscal. O governo alega falta de recursos para o agro, enquanto o Legislativo questiona gastos excessivos em outras áreas. O impasse se agrava e, como sempre, o setor produtivo paga a conta.
O Brasil não pode ser refém da instabilidade. Os momentos de crise exigem liderança e estadismo. O agronegócio já provou que pode caminhar sem as muletas do Estado. O mercado de capitais amadureceu e oferece instrumentos sofisticados e menos onerosos ao erário. A solução está na criação de um Fundo Garantidor do Crédito Agropecuário, um mecanismo moderno que reduziria a dependência de subsídios diretos. Em vez de gastar bilhões para equalizar juros, o governo criaria um fundo que serviria como aval para financiadores privados, reduzindo riscos e ampliando a oferta de crédito.
Com um aporte inicial de R$ 20 bilhões e um mecanismo de garantia de perdas de até 15%, o fundo poderia alavancar R$ 130 bilhões a R$ 150 bilhões em crédito agropecuário. Modelos semelhantes já funcionam com sucesso em países como Estados Unidos e Canadá, que há tempos desvincularam o financiamento rural da incerteza orçamentária estatal. A transição pode começar com um projeto-piloto voltado para médios produtores e cultivos de inverno. Comprovada sua eficácia, o modelo pode ser expandido, consolidando um sistema financeiro agropecuário moderno, competitivo e sustentável.
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O tempo da dependência estatal acabou. O agronegócio não pode ser subjugado por impasses políticos nem condenado à incerteza fiscal. Se o Brasil quiser continuar liderando a produção global de alimentos, precisa de um sistema de financiamento à altura de sua ambição. Esta é a hora da coragem e da transformação. O futuro do agro não pode esperar.
*Gustavo Diniz Junqueira é empresário e atua nos conselhos de administração do fundo Exagon, da Alper Seguros, da AgriBrasil e da Capturiant. Foi secretário estadual de Agricultura em São Paulo
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