De tempos em tempos aparecem novas teorias da conspiração, quase sempre velhas teorias da conspiração repaginadas em maior ou menor grau. A mais recente se refere à medida das expectativas de inflação. Desde o início do regime de metas, o BC precisou desenvolver uma maneira de aferir tais expectativas. Não por capricho. Há bases teóricas sólidas sustentando que a inflação esperada acaba sendo incorporada aos reajustes de preços e, portanto, à inflação corrente. Se empresas e trabalhadores esperam inflação moderada à frente, reajustes de preços e salários tendem a refletir isso, e vice-versa.
Assim, o BC criou a pesquisa Focus, que hoje consulta perto de uma centena e meia de analistas acerca de suas projeções para inflação, crescimento, dólar, Selic e mais uma série de variáveis econômicas de interesse não apenas do BC, mas da sociedade em geral.
As projeções de inflação são usadas pelo próprio BC como um dos insumos de seus modelos de previsão, em linha com a proposição teórica sugerida acima, associadas, é bom que se diga, a diversos outros, como o nível de atividade, o resultado fiscal do governo e preços internacionais de commodities, para citar apenas alguns.
Como regra, as expectativas para a inflação, seja para este ano, seja para o próximo, têm andado bastante descoladas da meta (“desancoradas”), merecendo a duvidosa honra de serem citadas como motivo de preocupação por parte do BC. Mais recentemente, porém, esse descolamento aumentou, atingindo horizontes mais longínquos, como 2026.
“Ao contrário do que dizem os acusadores, a Focus tem atuado para reduzir as projeções do BC”
Quando o ministro da Fazenda reclamou dos “fantasminhas” que estariam “fazendo a cabeça das pessoas e prejudicando nosso plano de desenvolvimento”, não faltou quem associasse a reclamação a um ataque precisamente à pesquisa Focus. Segundo os detratores, os participantes da pesquisa estariam tentando “forçar a mão” do BC quanto à fixação da taxa de juros, elevando as expectativas para impedir que o Copom seguisse na trajetória de redução gradual da taxa básica, a Selic.
Não é difícil examinar se tal tese faz sentido, ou, como veremos, não.
Se for verdade que os analistas elevam artificialmente as expectativas relatadas à Focus, essas teriam de, em média, ser mais altas que o IPCA, isto é, a Focus tenderia a superestimar a inflação. Com base nos dados dos últimos treze anos, o que observamos é que, em média, as expectativas coletadas pela Focus subestimam a inflação tanto um quanto dois anos à frente (em torno de 0,9% e 1,3%, respectivamente). Em apenas quatro anos ficaram acima da inflação observada no ano seguinte (somente dois anos no caso do horizonte mais longo).
Ao contrário, pois, do que dizem os acusadores, a Focus tem atuado no sentido de reduzir as projeções feitas pelo BC. Expectativas crescentes, como agora observadas, não resultam de conspirações, mas da percepção de degradação persistente do ambiente econômico, em boa parte resultado da política econômica do atual governo, em particular no que se refere ao controle do gasto.
Reclamar do mensageiro é inútil; mais proveitoso seria trabalhar para mudar o conteúdo da mensagem.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895