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Alexandre Schwartsman

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Economista, ex-diretor do Banco Central

Além da retórica

Os sofismas do governo não resolvem o problema fiscal do país

Por Alexandre Schwartsman Atualizado em 10 jan 2025, 11h08 - Publicado em 10 jan 2025, 06h00

Imagine que uma pessoa bem acima do peso, tendo recebido do médico a recomendação de diminuir a ingestão de calorias, resolva adotar a seguinte estratégia: no mês seguinte ao do conselho, ela dobra a quantidade ingerida; logo depois a reduz em 20%, portanto ainda acima do que ingeria antes da consulta. Mas agora afirma que “ninguém cortou as calorias tanto quanto ela naquele período”.

O argumento é obviamente ridículo. No entanto, é o mesmo empregado pelo ministro da Fazenda em artigo recente, no qual afirma que o país “fez o sexto maior ajuste fiscal do mundo” em 2024, ao que parece tendo esquecido que, entre 2022 e 2023, o resultado primário do governo federal passou de superávit de 63 bilhões de reais para déficit de 275 bilhões (valores devidamente corrigidos pelo IPCA). Em 2024, o resultado permaneceu negativo.

A questão central, que, dentre outras coisas, propeliu o dólar no final do ano passado e ainda o mantém pressionado no começo deste ano, diz respeito ao compromisso do atual governo com as contas públicas.

O compromisso não é medido pelo número de bravatas proferidas pelo presidente, nem pelos simplórios sofismas do ministro da Fazenda. Mas por indicações sólidas de que o governo está preparado para, num horizonte minimamente razoável, produzir resultados fiscais que levem, primeiramente, à estabilização do endividamento e, em seguida, à sua redução na direção de níveis similares aos observados em países comparáveis ao Brasil.

Qualquer economista com alguma familiaridade com a questão fiscal sabe que um ajuste desse naipe envolve, sob condições mais favoráveis do que as observadas neste momento, valores da ordem de 200 bilhões a 300 bilhões de reais.

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“Não há como chegarmos em breve a resultados que estabilizem, muito menos reduzam, a dívida”

Nota-se ao mesmo tempo que as receitas não têm muito mais o que crescer. Já superam com folga a média histórica e são batidas apenas por momentos de arrecadação anormalmente elevada, associados a eventos pontuais. Adicionalmente, como ficou aparente no desempenho recente das contas públicas, por força do retorno da vinculação dos pisos de saúde e educação à receita, o aumento do ingresso hoje vira despesa maior amanhã, desfazendo à noite o que se teceu durante o dia.

Por outro lado, a resistência do governo e do PT à redução de gastos ficou explícita na aprovação do pacote de ajuste fiscal, que não corta nem em 1 real sequer as despesas federais; na melhor das hipóteses apenas modera seu ritmo de crescimento.

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Dito de outra forma, não há perspectiva de chegarmos nos próximos anos a resultados que estabilizem a dívida, muito menos que a reduzam. Pelo contrário, à parte fenômenos efêmeros, como a venda de reservas, ela deve seguir em alta persistente.

À medida, porém, que a dívida cresce, o governo enfrenta o desafio de convencer o distinto público a comprar cada vez mais seus papéis. A única maneira de fazer isso é aumentando a remuneração dos títulos, ou seja, com taxas de juros cada vez mais elevadas. Juros altos são, portanto, efeito, não causa, do desequilíbrio fiscal.

Nesse caso, se o governo realmente pretende derrubar os juros de maneira sustentável, sem gerar um surto inflacionário ainda mais sério do que o atual, precisa abandonar os sofismas fáceis e se engajar de fato em medidas de redução contínua do gasto público.

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O tempo passou na janela e só o ministro não viu.

Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2025, edição nº 2926

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