Há pelo menos 100 anos, um dos mistérios que intriga os astrônomos é o ritmo de expansão do universo. O cientista americano Edwin Hubble (1889-1953) foi o primeiro a perceber que galáxias distantes da Via Láctea não estavam paradas, mas em constante movimento, e que as mais remotas pareciam se afastar em velocidade maior. Isso poderia sugerir que há um valor uniforme para explicar o fenômeno, mas nem mesmo Hubble, que considerava as galáxias “pontos de referência no espaço”, estava totalmente convencido da validade da teoria. No fim do século XX, com o lançamento do telescópio que leva seu nome, especialistas passaram a contar com a poderosa capacidade de observação do equipamento para enxergar mais longe, e chegaram a taxas divergentes entre si. Algumas indicavam que o universo tinha 8 bilhões de anos, outras apontavam que era ainda mais antigo, com 20 bilhões de idade. Agora, após trinta anos de extensas pesquisas realizadas pelo Hubble, os astrônomos parecem, enfim, ter chegado a um consenso.
A análise divulgada no fim de maio a partir das imagens do satélite mostra que a expansão do universo é de aproximadamente 73 quilômetros por segundo por megaparsec, uma medida de distância igual a 1 milhão de parsecs (cada um equivale a 3,26 milhões de anos-luz). Isso significa que o universo dobrará de tamanho em 10 bilhões de anos. Dito assim, parece algo irrelevante e que não diz respeito à vida tal qual a conhecemos. Afinal, nenhum de nós estará presente para testemunhar as mudanças em um futuro tão, tão distante. Para a ciência, porém, o achado tem valor inestimável. É atalho para revisão de alguns conceitos da física.
Trata-se, de fato, de uma grande mudança. “A descoberta pode apontar um caminho para entender a energia escura”, afirma Roberta Duarte, astrofísica da Universidade de São Paulo. A misteriosa força que está acelerando a expansão do universo foi descoberta em 1998, mas até agora é pouco entendida pelos especialistas. Sabe-se, basicamente, que ela ocupa 67% do universo. E apenas isso. “A física que temos hoje não explica a energia escura. Talvez seja o momento de revisar a teoria”, acrescenta Roberta. A minuciosa análise do material colhido pelo Hubble servirá de base para as investigações.
Os resultados, de fato, só foram possíveis graças à enorme quantidade de informação captada pelo telescópio. Originalmente projetado para fornecer quinze anos de pesquisas, o valente equipamento já entrou em sua terceira década de atuação e continua a surpreender. Ele teve papel importante não apenas no fornecimento de dados científicos, mas tem ajudado a definir nosso imaginário sobre o espaço. “Em muitas das explicações para os grandes mistérios da astronomia, o Hubble esteve de alguma forma envolvido”, afirma a astrofísica. Ela diz que o equipamento traz uma vantagem adicional: sua proximidade com a Terra permite que reparos sejam feitos de forma simplificada e, portanto, mais barata.
Com a aposentadoria do Hubble, será a vez do telescópio espacial James Webb entrar em cena. Mais avançado tecnologicamente, ele é capaz de enxergar objetos mais antigos e ainda mais distantes da Terra. Por isso, deverá participar de uma série de missões, de estudos de exoplanetas a buracos negros. Uma das pesquisas mais esperadas é observar as estrelas e coletar dados sobre a formação de galáxias. Compreender como o universo foi formado e quais leis da física regem essa expansão é passo seminal para entender em que direção caminha a humanidade.
Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792