Em fevereiro deste ano, uma reportagem exclusiva de VEJA provocou espanto e polêmica ao revelar com detalhes uma trama desencadeada em dezembro de 2022 para tentar colocar em xeque o resultado da eleição. A conspirata, chamada de “esdrúxula, imoral e até criminal” por um dos envolvidos na ação, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), era baseada na estratégia de gravar o ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, falando alguma impropriedade que permitisse colocá-lo sob suspeição e, por consequência, a vitória de Lula. Pressionado pela repercussão, o senador enrolou-se nas tentativas de explicações, mas nunca conseguiu dissipar a suspeita de crime no episódio. Em junho, ele foi alvo de uma operação de busca e apreensão da PF — dias depois, pediu licença do cargo.
O estrago levou Bolsonaro a prestar depoimento à PF na última quarta, 12. Ele confirmou a reunião com Do Val e o deputado cassado Daniel Silveira, mas negou que ela tivesse tratado de grampear Moraes — afirmou que só depois tomou conhecimento da ideia, que classificou de“coisa de maluco”. O depoimento não deve ser suficiente para encerrar o caso. Há fatos que indicam claramente que havia mesmo uma operação tabajara para tentar melar as eleições. Marcos do Val contou que na tal reunião teria sido pedido a ele que gravasse Moraes, com a garantia de que o grampo seria depois assumido por outra pessoa.
Nesse ponto, a história do senador começa a se cruzar com a da participação na campanha de Bolsonaro do hacker Walter Delgatti Neto, o mesmo que vazou diálogos de membros da Lava-Jato. Preso e solto nos últimos dias pela Justiça Federal por usar a internet, mesmo sob proibição, ele afirmou à PF que foi contratado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) para invadir o e-mail e o celular de Moraes, o que complica mais a vida da enrolada parlamentar. Também disse que foi proposto a ele que assumisse a autoria do grampo de Moraes que, mais cedo ou mais tarde, viria a público.
Os detalhes da participação de Delgatti na campanha de Bolsonaro foram revelados com exclusividade por reportagens de VEJA do jornalista Reynaldo Turollo Jr. Em conversa intermediada por Zambelli, Delgatti esteve com o então presidente no Alvorada numa reunião fora da agenda na manhã do dia 10 de agosto do ano passado. No encontro, discutiram possíveis fragilidades das urnas eletrônicas e o hacker saiu de lá disposto a usar sua expertise em invasão de sistemas para colaborar na campanha à reeleição. No dia anterior, Delgatti havia se reunido com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, tratando do mesmo tema. Em entrevista à Globonews na última terça, 11, o político confirmou o encontro, mas disse que não levou a sério a conversa.
Apesar disso, o plano seguiu adiante, sempre com o incentivo de Zambelli. Na sequência, Delgatti participou de reuniões no Ministério da Defesa a respeito da confiabilidade do sistema de votação. Determinado a cumprir a missão de desmoralizar Moraes, entrou no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para expedir um falso mandado de prisão contra o juiz, com data de 4 de janeiro de 2023, além de ordens de bloqueio de bens e quebra de sigilo das contas. Tentou ainda cooptar um funcionário de uma telefônica para conseguir grampear o celular do ministro.
Em conversa gravada pela reportagem de VEJA, em setembro passado, ele disse que o pedido para assumir a autoria de um grampo em Moraes teria sido feito pelo próprio Bolsonaro em uma conversa por celular intermediada por Zambelli. “Ele falou: ‘A sua missão é assumir isso daqui. Só, porque depois o resto é com nós’. Eu falei beleza. Aí ele falou: ‘E depois disso você tem o céu’ ”. Pessoas próximas ao hacker ligaram essa história com o relato de Do Val. Para um assessor graduado de Bolsonaro, no entanto, a história é “mais uma coisa da Zambelli”.
Há rumores agora de que, cada vez mais enroscado na Justiça, Delgatti estaria disposto a fazer uma delação premiada, o que pode contribuir para esclarecer a verdade. Ele se dizia quebrado financeiramente após a chamada Vaza-Jato, quando chegou a ficar preso por quinze meses. Achando-se responsável pela reabilitação de Lula com a divulgação das conversas entre o então juiz Sergio Moro e membros da força-tarefa, o hacker achava que o PT deveria ampará-lo. Desiludido, trocou de lado. A aproximação com Zambelli era uma oportunidade de garantir renda e de ter proteção. Tudo parece mesmo um plano rocambolesco, dadas as credenciais dos envolvidos. “Coisa de maluco”, como disse Bolsonaro. Mas pode virar outro capítulo indigesto na relação de processos e investigações que correm contra o ex-presidente e seus aliados.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850