O tino apurado para negócios e o jeito implacável sempre impressionaram as pessoas que estiveram ao lado de Abilio Diniz. As duas características, no entanto, não o pouparam de conflitos com executivos e até com integrantes da própria família. Bom de briga, o empresário enfrentou inúmeros embates ao longo de sua vida profissional.
Valentão
O primeiro deles, com colegas do Anglo-latino, colégio onde estudou. Acima do peso, o então garoto era alvo de provocações de alunos mais velhos. Cansado de sofrer bullying, ele se inscreveu em diversas academias de artes marciais e passou a revidar os ataques dos valentões com agressões físicas. Não demorou para que ele mesmo ganhasse a fama de encrenqueiro, que cultivou pelo resto da vida. Dessa época ficou o gosto pela prática esportiva, o principal de seus hobbies.
Irmãos em conflito
A primeira briga séria aconteceu no âmbito da sucessão familiar do império erguido por Valentim dos Santos Diniz, a partir da abertura de uma doceira em um dos endereços mais tradicionais de São Paulo – a avenida Brigadeiro Luís Antônio, no bairro do Ibirapuera. Após abrir diversas lojas em todo o país e se tornar um dos principais grupos de varejo do Brasil, o patriarca da família quis passar o comando para frente, na década de 1980. Os filhos Abilio, Alcides, Arnaldo, Lucília, Vera e Sônia se engalfinharam em uma disputa marcada por insultos pessoais, advogados para todos os lados e acordos que acabaram por cindir a família.
Abilio tinha experiência no negócio, havia se destacado na família por perceber que seria um dono de padaria, se seguisse apenas com comércio de bairro e passou a expandir o negócio abrindo lojas de supermercados inspirado no modelo americano. Comprou o Peg-Pag e o Sirva-se, duas das pioneiras no Brasil, e abriu o Jumbo, copiando a rede francesa Carrefour. Um dos negócios mais marcantes foi a aquisição da Eletroradiobras, segundo grupo de varejo do país, que estava à beira da falência. Seu Santos, como o pai era conhecido, lhe confiou ainda a operação do grupo em Portugal, que quase faliu, na década de 1970, por conta de mudanças políticas no país. Foi Abilio quem conseguiu restabelecer a posição do grupo.
tamanha experiência, lhe conferia uma posição privilegiada entre os irmãos, que não aceitavam sua liderança. Na partilha em vida promovida pelo pai, Abilio ficou com 16% da empresa e Alcides e Arnaldo receberam 8% de participação. Já as filhas Vera, Sonia e Lucilia ganharam 2% cada uma. Mais tarde, no fim da década de 1980, Alcides retirou-se do negócio, vendendo a sua parte por um preço acima do mercado. Arnaldo, Vera e Sônia seguiriam o mesmo caminho.
Mãos de tesoura
Os negócios, porém, iam mal. A rede, apesar de moderna, havia apostado na expansão para lojas de magazines, a Sandiz (junção de Santos com Diniz) e tinha gastado uma fortuna para construção de uma sede luxuosa, que ficou conhecida como Palácio de Cristal. Sem ter capital de giro, nem credibilidade junto aos bancos, Abilio tentou vender o negócio. Falhou. Deu-se, então, um plano de corte de gastos que ficou conhecido pelo mantra “corte, concentre, simplifique”.
A tesoura implacável do empresário foi responsável por um enxugamento no quadro de funcionários de 45 000 para 17 000, uma diminuição no número de lojas de 626 para 262 e extinção dos benefícios da diretoria, que contava com uma enorme frota de carros.
Recuperado, o grupo passou a trazer inovações e a jogar pesado com fornecedores. Irritado com a alta de preços dos produtos da multinacional suíça Nestlé, Abílio ordenou que seus produtos fossem retirados da prateleira em um embate que os concorrentes encararam como sendo suicida, já que a marca sempre gozou de muito prestígio junto aos consumidores. A briga durou quatro meses e terminou com o Pão de Açúcar como vencedor. Além de retornar o preço para o patamar anterior à toda discussão, a empresa passou a ofertar 5% de desconto.
Irmã escanteada
A única irmã a selar um acordo com Abilio na época da disputa familiar, a caçula Lucilia Diniz, também viveu momentos de desentendimentos. A empresária ficou famosa ao superar a obesidade, escrever um livro narrando sua jornada e lançar uma linha de alimentação saudável, a Goodlight. No entanto, o irmão tentou ampliar a linha de produtos da rede, a Taeq, o que causou um atrito entres os dois. Lucilia decidiu então comercializar seus produtos fora da rede. Na entrevista em que anunciou a medida, chegou a chorar.
A briga com o Casino
A maior briga da vida de Abilio, no entanto, ainda estava por vir. Já consolidado como uma das maiores redes de varejo do Brasil, em 1999, o Pão de Açúcar abriu as portas para a entrada da francesa, Casino, que adquiriu 24,5% da companhia, por 854 milhões de dólares. Em 2005, a participação foi ampliada e o novo contrato previa que o presidente da companhia deveria deixar o comando em definitivo em 2012. Internamente, essa foi uma posição que quem conhece Abilio diz que ele nunca esteve realmente disposto a fazê-lo. Nos bastidores, o empresário tentou várias manobras, o que despertou a ira de seus sócios franceses.
A mais ousada de todas as jogadas era uma fusão da operação brasileira com o Carrefour, uma megaoperação que resultaria no controle de um terço de todo o mercado brasileiro. O acordo teria a participação do BNDES, o que acabou não se concretizando. Ao saber das negociações com seu principal concorrente, os executivos do Casino ficaram enfurecidos e passaram a travar uma disputa que durou dois anos, e custou 500 milhões de reais aos sócios. Em um dos episódios mais marcantes, Diniz passou uma tarde inteira, no saguão de um hotel na França, tentando participar de uma reunião. No fim, a vontade do grupo francês prevaleceu.