O Brasil se aproxima de tomar uma decisão sobre que sistema de 5G deve adotar. A escolha vai além das questões tecnológicas e de custo. O ambiente de decisão é complexo e tumultuado por razões externas e internas.
Internamente, o debate sobre a escolha do 5G está sendo afetado pelo “bolsocentrismo” de setores da opinião pública, que atuam na linha de que, se o presidente Jair Bolsonaro é a favor, devemos ser contra.
Assim, aquilo que deveria ser decidido com base no interesse nacional passou a ser influenciado por posições políticas e eleitorais. Ainda que, na prática, o governo não tenha tomado nenhuma decisão.
No ambiente externo, apesar do imenso peso geopolítico da escolha, o tema não é objeto de tanta hesitação. Na Europa, 26 países num total de 27 optaram por não usar o sistema chinês. Entre as vinte maiores economias do mundo, a maioria esmagadora foi pelo mesmo caminho. Assim como quase 100% dos países da Otan e mais de 90% dos países-membros da OCDE.
No âmbito dos bancos centrais, a questão está sendo analisada da perspectiva do lançamento de moedas digitais oficiais, suscitando reflexões sobre segurança e privacidade das redes nas quais as operações transitarão. E players importantes do sistema financeiro entendem que os padrões estabelecidos pelo protocolo do Clean Network e pelo EU 5G Clean Toolbox seriam os mais adequados na adoção do 5G.
“A escolha terá papel crítico na competitividade, privacidade e segurança da informação no país”
Mas é fato que governos europeus de todos os matizes ideológicos tomaram a mesma decisão. Tanto por razões tecnológicas quanto por motivos de segurança e privacidade. O mundo financeiro internacional deverá tomar decisão semelhante, com a emissão de moedas digitais pelos bancos centrais das principais economias do mundo.
Como dito no início, a escolha do 5G vai além do debate ideológico entre duas potências, que não levarão em consideração apenas aspectos geopolíticos ou diplomáticos. A economia mundial avalia com cuidado as questões de privacidade, transparência, compliance e integridade de informações. E, sobretudo, o nível de responsabilidade por parte de quem provê a infraestrutura do sistema.
O sistema 5G em nosso país pode ter o condão de estimular o crescimento da economia em mais de 1 ponto do PIB, a partir da aceleração das comunicações. Isso porque permitirá níveis sem precedentes de conectividade com impacto decisivo na indústria, no transporte, na saúde, no sistema financeiro e nos serviços públicos.
No entanto, o debate no Brasil está limitado. O eco das preocupações do sistema financeiro com o problema ainda não chegou por aqui. Tampouco houve uma reflexão maior sobre as razões da decisão europeia de descartar a oferta chinesa. É certo considerar, porém, que a escolha terá papel crítico em questões de competitividade, propriedade intelectual, privacidade e segurança da informação em nosso país.
No fim das contas, os agentes que trazem dinamismo, emprego e renda a nossa economia preferem uma rede 5G sem mistérios e sem possibilidade de interferência direta de governos, sejam eles quais forem. Bem como os indivíduos que prezam a própria intimidade.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718
ATUALIZAÇÃO: Depois da publicação do artigo, a Huawei enviou a VEJA a nota abaixo:
“O artigo do colunista Murillo de Aragão, publicado na última edição de Veja, cometeu imprecisões sobre a adoção da tecnologia 5G, que se somam a argumentos infundados em relação às qualidades e características do sistema. Cumpre, portanto, esclarecer:
1) É incorreto afirmar que “na Europa, 26 países em um total de 27 optaram por não usar o sistema chinês”, uma referência que remete à Huawei. Na verdade, quase 40% dos países da União Européia ainda não tomaram decisões sobre o 5G e atualmente mais de 60% já adotaram o sistema da Huawei.
2) Da mesma forma, é inverídica a afirmação de que a “maioria esmagadora das 20 maiores economias do mundo” não utiliza a empresa no 5G. O fato é que 55% das maiores economias já adotaram o 5G da Huawei, enquanto há ainda um número elevado de países do grupo sem decisão formada sobre o assunto. Dados de representatividade similar podem ser obtidos dentre os países integrantes da OCDE e Otan.
3) A iniciativa Clean Network não possui nenhum protocolo-padrão a seguir, como afirma o texto. Não há critério técnico objetivo previsto pela iniciativa, que foi unilateralmente definida pelos Estados Unidos com objetivo discriminatório contra todas as empresas chinesas de tecnologia, e não apenas a Huawei. Além disso, não existe uma EU 5G “Clean” Toolbox, apenas a EU 5G Toolbox. A União Européia produziu o documento pra tecnicamente inferir sobre riscos e definir medidas de segurança das redes 5G. A EU 5G Toolbox e a Clean Network são iniciativas completamente diferentes em princípios e objetivos.
4) A Huawei concorda que a escolha do melhor sistema 5G deve ser racional, com base em critérios técnicos e objetivos, sem discriminação a qualquer empresa para a segurança e benefício de todo o ecossistema digital. No entanto, e infelizmente, o debate tem sido carregado de ideologia. Os dados imprecisos e equivocados do artigo do colunista devem provavelmente ter sido induzidos por terceiros, como declarações de autoridades norte-americanas e/ou competidores com interesses particulares na criação de restrições à Huawei.
5) Por fim, é importante salientar que a Huawei está no Brasil há 22 anos e, durante esse tempo, segue as leis emanadas pelo País e respeita a soberania brasileira. A empresa é 100% privada e emprega mais de 1,2 mil funcionários diretos e outros 15 mil indiretos em território nacional. A companhia opera desde o início da criação da infraestrutura de banda larga fixa e móvel (4.5G, 4G, 3G e 2G) no País, e espera contribuir ainda mais na construção de um grande futuro para o Brasil, diante das enormes possibilidades da tecnologia 5G.
Respeitosamente,
Huawei Brasil”