Chefes de governo sensatos não tomam decisões movidos por crenças pessoais, mas baseados no exame cuidadoso de cada caso. Não é assim, todavia, que se comporta o presidente Jair Bolsonaro. Ele costuma agir por impulsos ou por visões de mundo impróprias ou defasadas.
Dessa forma, ele deu a entender que vetará o projeto de lei 2.963/2019, do senador Irajá (PSD-TO), aprovado pelo Senado, o qual prevê a venda de terras a estrangeiros até o limite de 25% do território de municípios. Bolsonaro manifestou sua oposição ao projeto no cercadinho do Palácio da Alvorada, palco de desastradas conversas com apoiadores. Disse que a exclusão dos 150 quilômetros nas áreas de fronteiras do país, onde hoje se proíbe esse tipo de transação, abriria brecha para “entregar 8% do Brasil”.
Em estudo recente, publicado no blog Agro Global, da VEJA.com, três de nossos melhores especialistas em agronegócio — Marcos Jank, André Pessôa e Renato Buranello — comprovaram que o país só tem a ganhar com a compra de terras por investidores estrangeiros. Desmontaram, por exemplo, objeções do próprio setor, de que tais operações constituíram ameaça à soberania nacional ou permitiriam que interesses alienígenas “expulsassem” da terra os pequenos produtores.
Já tratei sobre o assunto neste espaço (VEJA 2 498, de 5/10/2016). Defendi que o fim de restrições legais à compra de terras por estrangeiros é benéfico e poderia livrar o país de obstáculos legais, visões ideológicas e ingenuidades que cercam o tema. Bolsonaro é prisioneiro de um preceito que fazia sentido nos tempos dos impérios, quando se imaginava que a prosperidade decorreria da invasão, da ocupação e da exploração de territórios estrangeiros.
“São infundados os temores de certos grupos, aos quais adere Bolsonaro, de que o Brasil ficaria vulnerável”
Essa percepção, que durou pelo menos até a II Guerra, foi desmentida pela constatação de que a riqueza de um país é gerada essencialmente pela produtividade. Adam Smith já havia mostrado isso no livro A Riqueza das Nações (1776) e a literatura econômica confirmou essa realidade de forma insofismável no século XX.
Conforme assinalei, “não há risco em vender terras a estrangeiros”. Os compradores “se sujeitam às leis do país e à capacidade de ação do Estado para defender nossos interesses”, incluindo controle de exportações — se necessário — e normas de defesa do meio ambiente e do bem-estar dos consumidores. Pode-se, em casos extremos, requisitar ou expropriar terras e até a produção.
Assim, o risco é dos investidores estrangeiros, jamais do Brasil e de sua soberania. A nós interessa atraí-los com seus capitais, sua tecnologia e suas redes de comercialização. São infundados os temores de certos grupos, aos quais adere Bolsonaro, de que a venda de terras a estrangeiros nos tornaria vulneráveis.
Mesmo se houvesse invasão estrangeira, não decorreria da posse de terras. A guerra moderna é travada com avançada tecnologia, incluindo drones, mísseis de longo alcance e superbombardeiros. Não viria da presença física em nosso território.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721