Crise fiscal: momentos decisivos
Depende de Bolsonaro evitar o problema. Basta ouvir Guedes
O Brasil corre o risco de enfrentar gravíssima crise fiscal. Se ela não for evitada, poderemos viver uma sucessão de calamidades: forte depreciação cambial, inflação alta, recessão, desemprego e aumento da pobreza e da desigualdade. A crise resultaria da insustentabilidade da dívida pública decorrente do aumento de sua relação com o PIB. Isso já era sério em 2019, quando atingiu a marca de 76%. Até o fim do ano, se acercará de 100%, um salto próximo dos 20 pontos de porcentagem. Nos mercados emergentes, diz o Fundo Monetário Internacional, a relação passará de 53% para 62% do PIB, elevação de apenas 7 pontos. Seremos, de longe, o país de pior situação entre as nações relevantes do grupo.
A crise poderá irromper até o fim deste ano. Caberiam para deflagrá-la fatos relacionados à criação do Renda Cidadã, o programa que ampliará o Bolsa Família (BF) e que incluirá parte dos trabalhadores informais. Seu custo, adicional ao BF, será de cerca de 30 bilhões de reais. O desafio será financiá-lo sem romper o teto de gastos em 2020. Ou dele abdicar.
No Orçamento da União para 2021, os gastos obrigatórios consumirão 96% das despesas primárias. Apenas 92 bilhões de reais estarão disponíveis para o custeio da máquina administrativa e o investimento público. Gastos inesperados podem reduzir esse valor para 75 bilhões de reais. Não há, pois, como abrigar o Renda Cidadã.
Há cinco saídas. A primeira é cortar gastos sociais de menor eficácia, como propôs o ministro Paulo Guedes: abono salarial, salário-família e seguro-defeso. Concordam com a ideia dez entre dez economistas que bem examinaram o assunto, mas o presidente Jair Bolsonaro a rejeitou publicamente.
“Existem cinco saídas para o Renda Cidadã, o programa que ampliará o Bolsa Família”
A segunda é flexibilizar o teto de gastos, excluído do limite o Renda Cidadã. Isso poderia provocar uma súbita queda da confiança na economia brasileira, disparando a crise fiscal aqui mencionada e seus terríveis efeitos. A terceira é desistir do programa, mantendo apenas o BF. Nesse caso, poderíamos assistir a uma queda da popularidade do presidente, o que ameaçaria seu objetivo de reeleger-se.
A quarta é financiar o programa mediante elevação de impostos ou da dívida pública. De fato, era assim que funcionava até 2016, mas essa estratégia contribuiu para a deterioração fiscal e tributária que hoje atormenta o Brasil. Com o advento do teto de gastos, um novo programa só pode ser financiado se houver simultânea redução de outros gastos. Não adianta ter mais receitas.
A quinta saída é a aprovação da PEC Emergencial, que permitirá a redução da jornada de trabalho e de salários dos servidores públicos federais, abrindo espaço para o Renda Cidadã. A emenda constitucional precisaria ser aprovada até dezembro, o que parece muito difícil. Assim, não haverá economia de gastos no início do ano, o que impedirá a criação do programa.
Depende de Bolsonaro, pois, evitar que a crise fiscal se instale. Ele pode desistir do Renda Cidadã ou, melhor, acolher a proposta de Guedes. Torçamos para que opte por uma dessas sensatas decisões.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715