Pressão por mapa da transição energética avança na COP30, mas contradições do Brasil fragilizam liderança
País busca protagonismo em proposta que define como o mundo deve abandonar petróleo, gás e carvão, enquanto amplia exploração na Amazônia
A diretora-executiva da COP30, Ana Toni, declarou nesta segunda-feira (17) que um primeiro esboço sobre o andamento das tratativas envolvendo os temas mais delicados da conferência deve ser concluído até amanhã à tarde.
O texto preliminar reunirá discussões sobre medidas comerciais unilaterais, a reação dos países ao relatório de síntese das NDCs (as metas nacionais de redução de emissões), aspectos ligados à prestação de contas e à atualização do Global Stocktake (GST), o balanço periódico que verifica o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.
Um segundo conjunto de propostas deve ser finalizado até sexta-feira (21), data de encerramento oficialmente prevista para o encontro em Belém. Essa nova etapa incluirá tópicos que não se enquadram diretamente nos quatro eixos principais mencionados anteriormente.
A COP30 entra, assim, em sua fase decisiva com um esforço articulado para tirar do papel um roadmap global de transição energética, proposta lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que pode se tornar o principal marco político da conferência.
O documento iniciaria, pela primeira vez, a discussão de como o mundo pretende reduzir gradualmente o uso de combustíveis fósseis, e não apenas declarar que pretende fazê-lo.
O ambientalista Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que a inovação do roadmap está justamente em transformar um enunciado vago em um plano concreto.
“O que a gente teve em Dubai foi só uma expressão: o mundo concorda em transitar para longe dos combustíveis fósseis. O que se tenta fazer aqui é dizer como isso vai acontecer, quem começa primeiro, quanto tempo leva, quem paga essa conta. Isso é o mapa do caminho”, afirma.
Segundo ele, esse tipo de acordo seria o primeiro instrumento capaz de orientar planos nacionais de transição. “Os países só vão fazer essa mudança se tiverem a garantia de que todos farão, ou, pelo menos, todos os que importam.”
Resistência saudita trava negociações
O avanço da proposta, porém, enfrenta reação dos grandes produtores. A Arábia Saudita e aliados têm tentado remover da decisão final qualquer referência ao roadmap ou a uma aceleração da substituição dos fósseis por fontes limpas. Delegações europeias relatam minutas “diluídas” e “puxadas para trás”.
Diante desse cenário, a expectativa mais realista é que a COP30 conclua a criação de um grupo de trabalho para desenvolver o texto ao longo de 2026. “Provavelmente vamos sair daqui com esse grupo formado. A ideia é desenhar o roadmap durante o ano e votar a proposta na próxima COP”, diz Astrini.
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Debate sobre “transição justa” ainda é difuso
Outro ponto que deve entrar no mandato do grupo é a definição de transição justa, conceito defendido pelo Brasil, mas ainda pouco claro. Astrini diz que existe o risco de o termo virar um guarda-chuva amplo demais, mas reconhece que não há solução simples.
“A justiça que se aplica a um país não é a mesma para outro. Em alguns lugares, substituir energia suja por limpa pode até aumentar desigualdade, dívida ou desemprego. Você precisa de parâmetros para garantir que a transição não gere mais problemas sociais.”
Roadmap cria metas obrigatórias?
Astrini alerta que o roadmap não produzirá mudanças automáticas.
“Só um texto não vai movimentar governos. Mas quando algo é conformado entre mais de 190 nações, você ganha muita força política e social, até instrumentos jurídicos para pressionar decisões dentro dos países”, afirma.
Expansão do petróleo na Amazônia fragiliza liderança do Brasil
A tentativa do país de conduzir o debate global esbarra, contudo, em uma contradição interna: o avanço da prospecção de petróleo na Amazônia, incluindo blocos na Margem Equatorial e na Foz do Amazonas.
Astrini reconhece a incoerência. “É uma incoerência que acontece no Brasil, no Reino Unido, na Noruega, no Canadá. E essa incoerência tem um preço: aumento de temperatura, mais eventos extremos. As palavras políticas terminam em si mesmas e as atitudes vão na direção oposta”, afirma.
Segundo ele, porém, explorar petróleo não invalida a proposta brasileira. “O presidente Lula está dizendo que quer ver esse acordo funcionar no planeta, e que tem compromisso em realizar a transição no Brasil, mas não sozinho. Ele não topa fazer isso sozinho.”
Astrini também rebate a reclamação de produtores de petróleo de que o Brasil estaria sendo duro com o setor. “Os produtores no Brasil não têm do que reclamar. Houve recorde de licenciamento ambiental para exploração no ano passado, inclusive liberações polêmicas na véspera da conferência.”
Financiamento será decisivo
Para organizações sociais e países em desenvolvimento, o roadmap só terá credibilidade se vier acompanhado de financiamento robusto.
“É difícil ter uma receita agora, mas você precisa de um caminho que indique que a transição será gradual, justa e com apoio financeiro, inclusive para países que não são ricos, mas são importantes emissores”, diz Astrini.
Ele afirma que esse é um dos motivos pelos quais o roadmap não deve sair totalmente definido em Belém. “Os países precisam se sentir parte. Talvez a grande entrega desta COP seja mesmo o mandato de trabalho.”
Como medir se o mundo está, de fato, em transição
Astrini afirma que já existem indicadores objetivos de implementação. “Se quisermos estabilizar o clima, não podemos abrir mais nenhum novo poço de petróleo. Essa já é uma medida. Outra é não explorar em áreas sensíveis, como a Amazônia”, diz.
Segundo ele, também é possível monitorar o fluxo financeiro. “O dinheiro precisa sair da energia suja e entrar na energia renovável.”
Se a COP30 fracassar
Caso a COP30 termine sem acordo sobre o roadmap, Astrini diz que a perda será global.
“Se não for aceito aqui, quem perde não é o Brasil. Quem perde são as pessoas que já estão sofrendo desastres, no Rio Grande do Sul, Paraná, Amazônia, Petrópolis, Recife, Paquistão, Bangladesh, Jamaica, Filipinas. Não é derrota diplomática. É derrota da esperança. É derrota do futuro.”
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