‘Há uma cruzada contra o meio ambiente dentro da COP30’, diz Marcio Astrini, do Observatório do Clima
Ambientalista vê a COP30 como um encontro de consensos frágeis e pressão crescente: 'o clima não espera a política se resolver'
A COP30 entra na sua fase decisiva marcada por negociações tensas, expectativas moderadas e uma condução brasileira surpreendentemente eficiente. Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, houve um “milagre” nos primeiros dias da conferência, mas agora o risco de retrocessos cresce.
“O luxo do tempo que existe dentro da conferência não existe mais na vida real”, diz ele, ao analisar a urgência trazida por povos indígenas, o papel de países petroleiros e a influência direta das eleições nos Estados Unidos. A seguir, os principais trechos da conversa.
Qual é seu balanço geral da COP30 até agora?
A gente está num momento muito interessante, mas também incerto, porque não sabemos o que ele prepara para a semana decisiva. Negociadores experientes dizem que o começo da COP foi praticamente um milagre.
Quem veio esperando briga e confusão se decepcionou, porque o governo brasileiro conduziu tudo de forma muito esperta, muito habilidosa e aprovou a agenda sem nenhum problema, e esse era um item de bastante risco.
Isso criou um ambiente positivo em pautas que têm muito conflito, as quatro pautas que hoje estão numa sala especial, para ver se vão ser acomodadas dentro da agenda ou encaminhadas a outro lugar.
O que está acontecendo com essas quatro pautas?
O prazo que a própria conferência deu é até amanhã. Até ontem havia mais de oito horas de debate, encontros e discussões, e isso continuou noite adentro. Hoje deve seguir o dia inteiro. No sábado, eles vão apresentar basicamente três possibilidades: adiar mais um pouco, caso as conversas estejam boas; fechar um acordo; ou o pior cenário, que é não ter acordo.
E aí volta tudo para o nível de desentendimento inicial. Esse cenário é muito ruim porque pode contaminar o resto das negociações e travar tudo.
E a pauta de adaptação, que é o coração desta COP?
A adaptação é a pauta-base, é o DNA desta conferência. É o que precisa ser resolvido e o que todo mundo espera. Existem rascunhos e tentativas de encaminhamento, mas há países querendo jogar a adaptação para a COP32, em Adis-Abeba. Vamos ver qual movimento vence: encerrar agora ou empurrar para frente.
E o pedido de Lula para construir o mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis e do desmatamento?Essa é a terceira trilha, que corre por fora. São três estradas simultâneas: adaptação, as quatro pautas conflituosas e o mapa do caminho. Este último é um desejo enorme de atacar o principal problema do clima. É algo que pode avançar independentemente do restante.
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Povos indígenas e o choque de urgências
As manifestações indígenas foram marcantes. O que elas revelam sobre inclusão?
Os povos indígenas trazem algo que não aparece nas salas de negociação: a urgência da realidade. Aqui dentro, o clima está num relatório, num artigo, numa deliberação. Para eles, o clima está secando o rio, tirando a caça, tirando a coleta de frutos, expulsando pessoas do território.
Existe um descompasso enorme entre o tempo das negociações e o tempo da vida real, e ninguém duvida disso. As respostas da conferência estão ficando cada vez mais distantes do necessário.
O que eles fazem é lembrar que o luxo do tempo, que existe e é praticado aqui dentro, eles já não têm mais.
Financiamento climático: promessas quebradas e confiança abalada
O financiamento climático segue como um grande nó. Por quê?
Porque há promessas de mais de uma década que nunca foram cumpridas, e, além disso, foram desfeitas na COP passada, em Baku. Isso cria um problema duplo: primeiro, o dinheiro não apareceu.
Segundo, quando uma promessa tão essencial não é cumprida, criam-se desgaste e quebra de confiança entre os países. E, para ter acordo, você precisa de confiança. Para ter ação, você precisa de confiança. E para implementar ações, precisa de recursos.
Não adianta fazer um bilhão de acordos se os meios para implementá-los não existem. O financiamento é extremamente sensível e pode paralisar as negociações desta e das próximas COPs.
Empresas do agro e greenwashing
Como avalia a atuação das empresas, especialmente do agro?
O ano tem 52 semanas; a COP dura duas. Não adianta vir para cá com palavras bonitas, relatórios e powerpoints se nas outras 50 semanas a prática é outra.
Muitas empresas não fazem greenwashing, elas enganam mesmo. Falam uma coisa aqui, tiram fotos e depois fazem o contrário. Na pecuária, há 15 anos prometem rastrear a cadeia.
A tecnologia existe, mas o rastreio não aparece. Na soja, a moratória, um instrumento vitorioso, está sob judicialização, com apoio de setores produtivos. Não adianta compromisso no microfone se a palavra não condiz com a realidade.
China: potência necessária, mas contraditória
Qual é sua leitura da atuação chinesa?
A China entrega mais do que promete, mas promete pouco. Muitas promessas são confusas, não apresentam datas claras. Melhoraram as metas, mas ainda são muito baixas.
Estamos falando de um país que representa de um quarto a um terço das emissões globais. E que vive uma contradição: é o país que mais desenvolve tecnologia limpa e também o que mais polui e mais abre fábricas de carvão.
Uma coisa é certa: você só atinge qualquer objetivo climático se a China liderar e fizer sua lição de casa de forma radical.
O lobby do carbono e o impacto da eleição de Trump
Países petroleiros seguem puxando a ambição para baixo?
Há uma cruzada contra o meio ambiente, inclusive dentro da COP30. As grandes petroleiras travam acordos, dificultam resoluções, deturpam números e colocam dúvidas sobre a ciência. E agora ganharam um impulso enorme com a eleição do Trump.
As petroleiras têm responsabilidade direta na eleição dele. Os EUA vão completar um ciclo no qual passam mais tempo fora do Acordo de Paris do que dentro. E estamos falando do país que mais polui historicamente e que mais tem condições financeiras de ajudar.
O que a administração Trump já provoca na agenda climática?
Enormes retrocessos. Retiraram dados científicos do ar, secaram fontes de financiamento, cancelaram projetos bilionários de energia solar e eólica da noite para o dia.
É uma ação deliberada a favor do problema. Pessoas já estão morrendo por causa da crise climática — e essa política faz com que morram mais.
O mínimo aceitável para a COP30
O que seria o mínimo aceitável de resultado?
Aprovar o que já está maduro, adaptação, transferência de tecnologia, gênero, toda essa lista que já está muito próxima.
E sair com um mandato claro para desenhar o mapa do caminho do fim dos fósseis e do desmatamento.
Não vamos fazer isso em oito dias, mas podemos dar a tarefa para especialistas e países trabalharem ao longo do ano, para que isso seja adotado na próxima conferência.
Isso seria um grande avanço, mesmo sem dar uma resposta imediata para quem já está sofrendo.
Uma ação prioritária para os próximos 12 meses
Se você pudesse escolher uma única ação, qual seria? E quem deve agir primeiro?
Eu citaria duas porque são inseparáveis: avançar na adaptação e no mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis.
Uma diz como vamos nos adaptar ao problema que já existe; a outra, como vamos controlar a causa.
Quem deve se mexer primeiro são os países ricos; isso nem é debate. O anexo 1 já define a responsabilidade maior. Países como o Brasil não dependem de financiamento externo para suas promessas, mas muitos países precisam e não podem ser deixados para trás.
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